Em minhas memórias – das mais doces às mais amargas –
consigo visualizar sua silhueta por ali, escondida ou provavelmente ao meu lado.
Ela é bem alta, mas é bem magrinha também, então cabe em qualquer cantinho.
Quando ela entrou em minha vida não passávamos de um metro
de altura, mas desde aquele tempo costumamos voar bem alto, chegando até mesmo
a pular de paraquedas em algumas de nossas histórias.
Pudera eu ter uma máquina do tempo para retornar naquelas
tardes com sabor de bolo de chocolate com suco de limão em que a única casa que
tínhamos que arrumar era a da Barbie.
Alguns nos perguntam se nós nunca brigamos. Ah, meros
mortais! Brigar é uma coisa muito subjetiva quando uma já colocou uma pedra
dentro da boca da outra ao brincar de “abre a boca e feche os olhos”, não é
mesmo? Mas com toda convicção, posso lhe assegurar que não.
Ela casou, mas enquanto seus herdeiros não entram em seus
planos, o quarto que sobra em seu apartamento é meu. Da mesma forma que seu marido
sabe que nossa amizade já completou bodas de porcelana e que seguimos
religiosamente algumas tradições as quais ele nem ousa contestar.
No quesito coração, ela sabe de todas as minhas chamadas dramaturgias
amorosas. Dos primeiros suspiros apaixonados aos últimos marejados, mas sempre
acompanhados.
Por falar em companhia, ela desempenha essa função com excelência
para qualquer ocasião: Dividir uma garrafa de vinho, assistir um filme
aleatório no cinema, viajar para a praia em plena segunda-feira, comer os doces
mais açucarados do universo na TPM, assistir a shows que nunca viu o cantor...
Dentre tantas outras que não caberiam enumeradas aqui.
Ela é professora de inglês, mas não se incomoda quando eu
atropelo as frases cantarolando bem alto nossa canção favorita e inclusive me
acompanha com os vidros do carro abertos no meio de qualquer avenida.
Entre sete bilhões de pessoas no mundo, arrisco dizer que até
então ela é que me conhece melhor. Poucas pessoas nos permitem que sejamos nós
mesmos sem comedimento, como nos dias nublados que despertam uma vontade de
chorar e nos dias quentes que às vezes desejamos apenas silenciar. Ela me
aceita e por incrível que pareça gosta de mim assim, exatamente como eu sou.
A vida fez com que ela fizesse parte da minha família e que
eu me tornasse parte da dela também. Estabelecer um laço de fato é muito
difícil, porque isso qualquer um faria. Logo, prefiro a rotular como uma
incógnita, um substantivo bem adequado quando os sentimentos predominam o
espaço de qualquer outra palavra.
Nathalia,
para sua grande amiga Jéssica.